T Austin-Sparks
Era domingo à tarde. Em uma rua de Glasgow alguns jovens pregavam o evangelho ao ar livre. Passando por ali, um pouco deprimido, Theodore Austin-Sparks parou para ouvi-los, e naquela mesma noite esse jovem de dezessete anos de idade entregou sua vida ao Salvador. No domingo seguinte àquela reunião ao ar livre, esta contava com a presença de mais aquele jovem cristão, e não demorou muito para que ele também testemunhasse, de forma simples, porém entrando desta forma em uma vida de pregação do Evangelho que durou sessenta e cinco anos.
Theodore Austin-Sparks nasceu em 1910, numa cidade escocesa. Sua mãe conhecia o Senhor, amava-O, era uma mulher de oração. Theodore cresceu num lar onde sempre havia reuniões de oração, onde se cria que a Palavra de Deus é a autoridade máxima em todas as questões e onde se esperava a volta do Senhor Jesus. Sua mãe teve grande influência em sua vida. Ao se chegar ao Senhor, naquele domingo à tarde em Glasgow, Theodore passou a viver completamente para Aquele que o salvara.
Ele sempre lia muito, em seu desejo de ter algum entendimento espiritual, e acima de tudo estudava sua Bíblia, sempre buscando ardentemente os tesouros novos e velhos que nela podem ser encontrados por aqueles que são instruídos no reino dos céus.
Naqueles dias, um dos maiores pregadores na Inglaterra, Dr. G. Campbell Morgan, ministro na capela de Westminster, desejando ajudar a um grupo de jovens no estudo da Palavra, passou a se reunir com eles todas as sextas feiras, dando-lhes vários estudos bíblicos. Por 52 semanas Campbell Morgan se reuniu com esses jovens e, dentre os mais brilhantes, estava T. Austin-Spaks. Por esse motivo ele passou a ser sempre requisitado como preletor em várias Conferências. Sua abordagem bíblica era bem original na época, especialmente em relação aos esboços dos livros da Bíblia, ou aos esboços da Bíblia como um todo, à visão panorâmica da Bíblia.
Certa vez, ao ministrar numa igreja batista, ele viu uma tremenda mudança vindo sobre toda a congregação. Um após o outro, dentre os conhecidos ali como cristãos, foram sendo salvos. A secretária da igreja, os diáconos, todos foram encontrando o Senhor. Mas, apesar de T. Austin-Sparks ser um conferencista nacionalmente conhecido e requisitado, e apesar de ser um jovem com tanto futuro, ele mesmo sentia uma terrível pobreza em sua vida. Ele sentia que estava proclamando coisas que, na realidade, não eram experiências suas. Ele não tinha dúvidas de que era nascido de novo, de que Deus o havia salvo, de que ele era justificado, de que o Espírito Santo era realmente o Espírito de Deus, de que Cristo era o Ungido, mas ele sentia que estava pregando coisas que ele mesmo não experimentava, sentia que profetizava muito mas que possuía muito pouco. Por natureza, T. Austin-Sparks era uma pessoa que se entregava completamente ao que cria, nunca se contentando com uma posição intermediária. Gradualmente uma tremenda tensão foi sendo criada dentro de si. Ele começou a se sentir um fracasso, pois o que lia na Bíblia não era, para ele, uma experiência própria. Em um certo dia, então, ele disse à sua esposa: "Eu vou para o meu estudo, não quero que ninguém me interrompa, não importa o que aconteça, eu não sairei daquele quarto até que tenha decidido qual o caminho vou tomar". Ele sentia imensamente a necessidade de que o Senhor o encontrasse de uma forma nova, ou cria que não poderia mais continuar seu ministério. Havia chegado ao final de si mesmo. Fechado naquele quarto ele passou a maior parte do dia quietamente diante do Senhor, e então começou a ler a carta aos Romanos. Nada aconteceu. Ele a conhecia muito bem, havia ensinado esta carta tantas vezes, dava esboços dessa porção das Escrituras, nada de novo ela lhe apresentava, até que ele chegou ao capítulo 6. Ele mesmo disse: "Foi como se o céu tivesse se aberto, e luz brilhou em meu coração". Pela primeira vez ele compreendeu que havia sido crucificado com Cristo e que o Espírito Santo estava nele e sobre ele para reproduzir a natureza de Cristo. Isso revolucionou completamente a sua vida. Quando saiu daquele quarto, era um homem transformado. Agora realmente ele começou a pregar a Cristo, começou a magnificar o Senhor Jesus.
Logo começou a ensinar o que chamava de "o caminho da cruz", dando grande ênfase à necessidade da operação interior da Cruz na vida do crente. Ele pregava um evangelho de uma plena salvação através da fé simples no sacrifício de Cristo, e enfatizava que o homem que conhece a purificação pelo sangue de Jesus deve também permitir que a mesma Cruz opere nas profundezas de sua alma para libertá-lo de si mesmo, e levá-lo a um caminhar menos carnal e mais espiritual com Deus. Ele mesmo havia passado por uma crise e aceito o veredito da Cruz sobre sua velha natureza, e havia assim descoberto que essa crise fora a introdução para um desfrutar completamente novo da vida de Cristo, tão grandioso que ele só conseguia descreve-lo como "um céu aberto".
Sparks recebeu também grande ajuda espiritual da Sra. Jessie Penn-Lewis, a quem o Senhor dera um claro entendimento sobre a necessidade da operação interior da cruz na vida do crente. Ela viu em T. Austin-Sparks o herdeiro de toda a obra que o Senhor lhe havia dado. Sparks se tornou um pregador e mestre muito querido e popular no meio do chamado "movimento Vencedor''.
Sparks via que não há outro caminho para se experimentar plenamente a vontade de Deus, a não ser através da união com Cristo em Sua morte. Sempre voltando ao ensinamento de Romanos 6, era convicto de que tal união é o meio certo para se conhecer o poder da ressurreição com Cristo.
Mas a experiência que Sparks tinha, em vez de lhe abrir as portas para todos os púlpitos, fechou a maioria delas. Eles o temiam, achavam que algo estranho havia lhe acontecido, algo perigoso, algo errado. E assim começaram a se lhe opor.
Houve um momento em que ele ficou na rua, sem casa para morar com sua esposa e filhos, mas o Senhor logo lhe providenciou uma moradia, na rua Honor Oak. Uma Sra. que servia ao Senhor como missionária na Índia, e que havia sido grandemente ajudada através do ministério de Sparks, ouviu dizer de uma grande escola na rua Honor Oak que estava à venda, então comprou toda a propriedade e deu-a à igreja. Ali veio a ser um local de comunhão cristã e a sede de conferências "Honor Oak". Este foi o lugar onde conferências eram realizadas, três ou quatro vezes ao ano, para as quais vinham pessoas de toda a parte.
Em 1937 Watchman Nee se encontrou pela primeira vez com Sparks. Nee havia lido alguns escritos seus e fora grandemente ajudado. Logo após, porém, começou a 2ª guerra mundial e aquelas conferências cessaram, pois o mundo todo estava em turbulência. Todavia, ao terminar a guerra houve um período maravilhoso na história daquela obra e ministério. De 1946 até 1950 houveram conferências cheias da presença do Senhor.
Apesar de aparentar estar muito bem, o irmão Sparks sofria muito por causa de uma condição precária de saúde, com dolorosas úlceras gástricas, causadas talvez pelo fato dele ser tão reservado e introvertido. Freqüentemente ele se prostrava com dor e ficava incapaz de continuar a obra. Contudo, uma vez e outra ele se levantava, algumas vezes literalmente do leito de enfermidade, e o Senhor o usava poderosamente. Algumas das melhores Conferências eram exatamente em épocas que ele passava por muitas dores relacionadas a este estado físico. Geralmente ele falava assentado. O gracioso meio que Deus utilizou para dar-lhe alívio foi através de uma cirurgia no estômago, o que lhe trouxe grande melhora física e mais vinte anos de uma vida ativa pelo Senhor em muitas terras.
Por várias razões, muitos outros sofrimentos vieram à sua vida, mas ele cria que, se por um lado a cruz envolve sofrimento, por outro lado ela é também o segredo da graça abundante. Por ela o crente é levado a um mais amplo desfrutar da vida de ressurreição, e também a uma verdadeira integração na comunhão da Igreja, que é o Corpo de Cristo.
A enorme oposição que Sparks enfrentava era inacreditável. Livros e panfletos eram escritos contra ele, pregadores pregavam contra ele, davam-lhe a fama de ser um falso mestre, cheio de ardis. Este isolamento total a que o colocavam era, de muitas formas, a coisa mais dura que ele suportava. Ano após ano ele ia a Keswick, onde atrás da plataforma estava escrito "todos somos um em Cristo". Mas sempre que ia ao encontro daqueles com quem já havia trabalhado e estendia a sua mão, eles não lhe cumprimentavam, não lhe dirigiam nem uma só palavra, e lhe viravam as costas. Isso era para ele muito mais difícil de suportar do que os outros problemas.
Problemas no local de comunhão "Honor Oak" fizeram com que as conferências ali cessassem. Ele mesmo, porém, continuou ali com os irmãos, guardando intactos os laços da comunhão, mostrando um interesse cheio de amor para com a nova geração, sempre compartilhando ali sobre adoração e oração. De fato, a oração caracterizava a sua vida mais ainda do que a pregação.
No final da vida de Sparks, ele estava só, havia muito poucas pessoas com ele. Campbell Morgan, Jessie Penn-Lewis, F. B. Meyer e A. B. Simpson tiveram grande influência na vida de T. Austin-Sparks. Ele costumava dizer que de todos os pregadores americanos que ele conhecera quando jovem, A. B. Simpson era o mais espiritual e o que falava com mais poder.
Muitas vezes e de muitas formas F. B. Meyer trouxe Sparks para um relacionamento bem mais profundo com o Senhor. Meyer costumava dizer que Sparks era uma solitária voz profética num deserto espiritual, chamando o povo de Deus de volta para a realidade, para o que é genuíno, para o próprio Senhor Jesus.
Ele falava sobre autoridade e submissão. Isso não era ouvido na época. Sparks sempre utilizava algumas frases que, na época, praticamente não eram ouvidas em outro lugar. Uma delas era que a Igreja é o corpo de Cristo, outra era que precisamos ter uma vida de corpo, que os membros de Cristo são membros uns dos outros. Eram frases tão mencionadas por ele, mas algo totalmente novo e desconhecido no mundo cristão da época. Certa vez ele disse: "Podemos tomar a Igreja, que é o corpo do nosso Senhor Jesus, unida ao Cabeça que está à mão direita de Deus, e reduzi-la a algo terreno, fazer dela uma organização humana". Todas essas frases eram consideradas tão estranhas. No mundo cristão falava-se sobre conversão, sobre estudo Bíblico, sobre oração, sobre testemunho, sobre missões, sobre vida vitoriosa. Mas nada se ouvia sobre a Igreja, sobre o Corpo de Cristo, sobre sermos membros uns dos outros. Ele era uma voz profética solitária. Foi isolado, rejeitado, caluniado.
Uma das ênfases de seu ministério era "a universalidade e a centralidade da cruz". Para ele, tudo começava com a cruz, vinha através da cruz, e nada era seguro à parte da cruz. Ele costumava dizer que nenhum filho de Deus está seguro, até que Lhe entregue a sua vida. Que nenhum filho de Deus realmente O serve, até que Lhe entregue a sua vida. Nenhuma comunhão entre o povo de Deus é segura, até que eles tenham entregue suas vidas à Ele. Tudo volta ao altar. Essa era uma das ênfases do seu ministério. Outra ênfase era a Preeminência do Senhor Jesus. Se você conhecesse o Sr. Sparks, certamente apreciaria essa ênfase. Para ele o Senhor Jesus era o início e o fim de tudo. O Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último. Ele via que tudo está em Cristo, toda a nova criação, o novo homem, tudo. Talvez um de seus primeiros livros — "A centralidade e supremacia do Senhor Jesus Cristo" — seja o que melhor caracterize para nós toda a sua vida e ministério. Essa era uma tremenda ênfase em seu ministério. "Onde está o Senhor?" — ele sempre dizia. "Onde está o Senhor na vida dessa pessoa? Onde está o Senhor no serviço dessa pessoa? Onde está o Senhor Jesus no ministério dessa pessoa?" E costumava dizer: "Se nós quisermos que venha luz do trono de Deus, só há uma coisa a fazer: Dar-mos ao Senhor Jesus o lugar que o Pai Lhe deu. Essa é forma de sermos preservados de erros, de comprometimentos, de desvios, de sermos preservados de começar no Espírito e terminar na carne".
Outra ênfase em seu ministério era "a casa espiritual de Deus". Ele via a Igreja como a casa espiritual de Deus, como a noiva de Cristo, como o corpo do Senhor Jesus. Seu entendimento sobre a Igreja era muito claro. Ele cria na casa espiritual de Deus da qual somos pedras vivas, edificados juntos, e que devemos crescer para santuário dedicado ao Senhor, para habitação de Deus no Espírito. "Isto", ele dizia, "é o coração da história, o coração da redenção". Por isso ele sempre costumava dizer: "Há algo maior do que a salvação". Por causa disto as pessoas se iravam contra ele, diziam que falar isto não estava correto, não era bíblico, mas Sparks sempre dizia: "A salvação não é o fim, mas é o meio para o fim. O fim que o Senhor tem é a Sua habitação, é a Sua casa espiritual, a Sua habitação no Espírito, e a salvação é o meio para nos colocar nessa casa espiritual de Deus".
Ainda outra ênfase em seu ministério era a "batalha pela vida". Ele costumava dizer que "se há alguma vida espiritual em você, todo o inferno vai se levantar para extinguí-la. Se há vida espiritual em seu ministério, todo o inferno vai se levantar para acabar com ele. Se há vida espiritual na comunhão dos cristãos, todo o inferno vai se levantar contra ela. Temos que aprender como combater o bom combate da fé e tomar posse da vida eterna. Temos que aprender como nos mantermos em vida".
Uma vez e outra ele dizia que tudo o que é relacionado com Deus é vida. Vida, mais vida, vida abundante. Não morte, mas vida. Até mesmo a morte de cruz é para trazer-nos à vida, e quanto mais conhecemos a morte de Cristo, mais devemos conhecer a vida de Cristo. Portanto, essa é uma batalha pela vida.
Uma última ênfase era a "intercessão". Ele costumava dizer que "o chamamento real da Igreja é para intercessão. Intercessão é muito mais que oração. Qualquer um pode orar, mas você precisa ter uma maturidade mínima para poder ver, para poder passar por dores de parto, para que haja nascimento. Intercessão não requer seus lábios, mas requer todo o seu ser. Não requer dez minutos do seu dia, nem uma hora, mas requer de você vinte e quatro horas de cada dia. É oração incessante".
O Sr. Sparks foi um grande homem, e os grandes homens têm também grandes falhas. Ele possuía fraquezas, mas a impressão que ficava em quem o conhecia não eram essas fraquezas, mas o fato de que ele sempre magnificava o Senhor Jesus, não apenas por palavras, mas pela sua vida. Sua própria presença trazia algo do Senhor Jesus. Sempre que ele chegava, a impressão que ficava era a de quão grandioso é o Senhor Jesus. Quando ele falava, essa era a impressão que ficava: Quão grandioso é o Senhor Jesus! Ele sempre magnificava o Senhor Jesus. Isso foi algo que o Senhor fez nele de tal forma que a sua presença e o seu ministério glorificavam o Senhor. Outra impressão que ele deixou foi a de alguém que sempre estava prosseguindo. Nunca parecia que ele estava estacionado, mas sempre prosseguindo. Isso era sentido pela sua presença e pelo seu ministério. Ele costumava dizer: "Não paremos! Vamos além, vamos prosse- guir! O Senhor tem ainda mais luz e mais verdade para fazer brotar de Sua Palavra. Prossiga, prossiga para tudo aquilo para o que o Senhor te conquistou". Outra impressão que ele deixou é a de que ele sempre parecia ministrar sob unção. Esse era um segredo que esse irmão possuía. Ele sabia como habitar sob a unção, para não dar comida morta, para não dar o que ele pensava, mas para dar sempre aquilo que Deus lhe havia dado. Ainda uma outra impressão que ficou de sua vida é uma grande determinação em cumprir aquilo que Deus lhe havia dado para fazer. Em muitas situações que aconteciam para fazê-lo desanimar e parar, ele sentia que não podia deixar Satanás vencer — era uma batalha pela vida.
Em abril de 1971 o irmão Sparks partiu para estar com o nosso amado Senhor, para ali esperar até o momento em que a esperança se tornará em gloriosa realidade, quando juntos seremos arrebatados "para o encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor".
(Adaptado do texto de Elenice D. R. de Paula Lima, publicado na revista À Maturidade, número 29, da Obra Cristã À Maturidade, Belo Horizonte, MG. Usado com autorização dos editores.)
O Testemunho do Senhor e a Necessidade do Mundo
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