A Bênção dos Bons Livros – Gerson Lima

3 ago

“Traga (…) os livros.”  ― Paulo (2 Tm 4.13)

Um dos maiores privilégios que o novo convertido deve conhecer é a graça de poder ler e estudar as Escrituras, que são disciplinas espirituais que deverão acompanhar todo aquele que deseja conhecer a Deus e crescer na vida espiritual. Fomos dotados com faculdades naturais para conhecermos a Deus e a Sua Palavra, e como ferramentas para o cultivo da compreensão das Escrituras Deus proveu maravilhosos livros.

A leitura é, portanto, um hábito santo que nos liberta da fútil vida de inércia. Como é pela renovação da mente que somos transformados (Rm 12.2), a disciplina da leitura espiritual livrará o cristão do atrofiamento das faculdades, o enriquecerá com cultura cristã e promoverá seu crescimento espiritual.

Somos salvos para sermos discípulos de Cristo, e só é possível ingressar na Sua escola com renúncia de tudo que não O glorifica, com obediência a Sua palavra e com o exercício das disciplinas espirituais, pois o alvo delas é transformar o cristão na imagem de Cristo. E a disciplina da leitura espiritual é, com a oração e a meditação, provavelmente, a mais importante. Por quê? Porque somos transformados à medida que a nossa mente é renovada ao lermos e meditarmos nas coisas do alto. E assim como usamos um telescópio para vermos as maravilhas do universo estelar, Deus nos concedeu os bons livros para vermos com os olhos de milhares de Seus servos as maravilhas de Sua Palavra.

Paulo, o apóstolo dos livros

Quando Paulo estava preso pela segunda vez em Roma, sabia que iria morrer. Ele diz a Timóteo que o tempo de sua partida havia chegado e tinha completado sua carreira. Agora, mais do que nunca, ele tinha de se ocupar em fazer as coisas mais importantes. E como ele quis gastar os últimos dias de sua vida? O que ele priorizava? Embora soubesse que morreria em breve, ele diz ao seu filho Timóteo: “Traga (…) os livros, especialmente os pergaminhos” (2 Tm 4.13).

Paulo havia dedicado toda a sua vida mergulhando nas Escrituras e nos livros e agora, na reta final, ainda gastaria seus últimos dias assim. Ele prevalecia contra a hostilidade de Roma e as ondas de ideologias pagãs mantendo sua mente renovada com o conhecimento do Santo através da leitura e da contemplação. Embora órfão do calor pessoal dos seus amigos, na fria prisão de Roma, sua alma era aquecida pelos relatos da nuvem de testemunhas na galeria da fé nos textos sagrados e nos livros.

As paredes sombrias da prisão não impediam o velho Paulo de gozar da riqueza da biblioteca que trazia dentro de si. Assim como ele, muitos dos homens que Deus usou tinham uma mente tão ampla como o universo, e essa é uma das bênçãos daqueles que entesouram a herança que Deus depositou em dois mil anos da história da Igreja por meio dos livros.

O que Paulo via de tão especial nos livros? De onde Paulo retirou o relato de que “Janes e Jambres resistiram a Moisés” (2 Tm 3.8)? Ou como ele sabia o que alguns dos poetas atenienses diziam (Atos 17.28)? Como ele sabia que um profeta de Creta havia dito que “os cretenses são sempre mentirosos, feras terríveis, comilões preguiçosos”(Tt 1.12)? Certamente, da mesma forma que Judas ao citar uma profecia do livro de Enoque (Jd 1.14). Segundo os estudiosos, Paulo, além de versado nas Escrituras, lia e conhecia tudo que estava relacionado às civilizações do mundo antigo e usava esse conhecimento na propagação e defesa do Evangelho.

“Traga (…) os livros.” Se preso e próximo da morte ele ainda seria o apóstolo dos livros, o que dizer de nós, que estamos livres e cheios de vida? Não deveríamos também falar “traga os livros”? Embora lamentavelmente existam aqueles que se oponham à leitura de livros, os últimos dois mil anos da história do povo de Deus nos mostram a bênção que é ler bons livros.

Cinco motivos por que devemos valorizar e ler os bons livros

Em primeiro lugar, porque o Deus soberano gosta de livros, e isso já seria o suficiente para aprendermos a gostar também.

Em segundo lugar, porque Deus quis deixar um legado para ser transmitido de geração a geração, para que Seus feitos sejam lembrados e Seu povo aprenda Seus caminhos e evite cometer os mesmos erros. Quem não aprende da história está fadado a cometer seus mesmos erros. Vemos isso na primeira vez que a palavra livro é mencionada na Bíblia. Deus mandou Moisés escrever um livro: “Então o Senhor disse a Moisés: — Escreva isto para memória num livro e repita-o a Josué, porque eu vou apagar totalmente a memória dos amalequitas da face da terra” (Êx 17.14).

Em terceiro lugar, Deus escolheu homens para registrar Suas palavras em forma de livros para que fossem lidos e interpretados. O Livro sagrado é uma coletânea de sessenta e seis livros e permeado de outros livros que, apesar de não terem sido incluídos no cânon das Escrituras, fazem parte do legado do povo de Deus. O Antigo Testamento menciona pelo menos quinze outros livros, como o Livro das Guerras do Senhor (Nm 21.14), o Livro dos Justos (Js 10.13), o Livro da História de Natã (2 Cr 9.29) e o Livro da História de Salomão (1 Rs 11.41).

Em quarto lugar, porque no livro de Apocalipse (cap. 5) João revela que viu na mão direita d’Aquele que estava sentado no trono um livro em forma de rolo escrito por dentro e por fora e selado com sete selos. E quem era digno de quebrar os selos e abrir o livro? Ninguém! João chorava muito, porque “nem no céu, nem na terra, nem debaixo da terra, ninguém podia abrir o livro, nem mesmo olhar para ele” (v. 3). Até que um dos anciãos lhe disse: “Não chore! Eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para quebrar os sete selos e abrir o livro” (v. 5). Você já prestou atenção nesse texto por que Jesus morreu e venceu? “(…) para (…) abrir o livro”.

Nosso amigo Gino Iafrancesco afirmou em sua magistral obra Aproximação ao Apocalipse:“Neste livro [mencionado no capítulo 5] está resumido o programa do Senhor, estão as linhas mestras da maneira como Deus realiza Seu plano para estabelecer definitivamente Seu reino”. Respeitados estudiosos são unânimes em afirmar que esse é o livro que contém o pleno relato do que Deus, em Sua soberana vontade, determinou quanto ao destino do mundo.

Deus escreveu o livro da História antes de ela acontecer. George Ladd, um dos mais respeitados, ressalta que Deus conhece, controla e dirige todas as coisas para uma consumação final conforme escreveu no livro. Toda a História está nas mãos de Deus. Não importa a fúria de Satanás ou a agitação do mundo, a História sempre estará nas mãos de Deus.[1] O livro da História está escrito por dentro e por fora. Tudo está traçado, escrito e determinado. Nada foi esquecido nem omitido. O futuro está nas mãos de Deus.

E, em quinto lugar, porque há livros no céu: “Então foram abertos livros. Ainda outro livro, o Livro da Vida, foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo as suas obras, conforme o que estava escrito nos livros” (Ap 20.12). Se você está seguindo o Homem do Livro e indo para Seu reino, onde tudo é realizado conforme os livros, melhor amar e se habituar com os livros agora.

Christian Chen, um erudito piedoso, nos dizia que como cristãos devemos aprender como estudar a Bíblia, mas também aprender como nos enriquecer por meio de outros livros. Obviamente, nenhum livro jamais substituirá o Livro dos livros. Sabemos que Davi caiu terrivelmente quando estava no auge da sua vida. Por causa de lições como essa, Deus deseja que o Livro passe da primeira geração para a segunda e desta para a terceira geração, e assim por diante, para que todos os filhos de Deus aprendam essas lições. Deus também deseja que Seus filhos estudem outros livros. Então, na primeira geração, alguns irmãos estudaram a Bíblia, acharam alguns métodos e descobriram algumas leis de interpretação. A partir daí, eles escreveram livros no segundo século, no terceiro século, até o presente século, por isso encontramos muitos e muitos livros. [2]

Há um mistério nos livros

Há um mistério nos livros, e por eles são abertas as janelas dos céus ou do inferno. Quando os de Éfeso creram no Evangelho pela pregação de Paulo, aqueles que outrora haviam praticado feitiçaria trouxeram seus livros de encantamentos e os queimaram publicamente. O valor dos livros totalizou cinquenta mil moedas de prata (At 19.19).

O inimigo sabe muito bem do mistério que há nos livros, por isso manteve por longo tempo o Livro sagrado fora das mãos dos santos, até a Reforma, quando, graças a Deus, tornou acessível o Livro ao povo simples e inspirou homens como Lutero e Calvino a escreverem seus comentários sobre ele para ajudar as pessoas na sua compreensão.

Por que você acha que no período das guerras livros e obras de arte eram queimados? Não foi isso que Hitler cometeu contra os judeus e Mao Tsé Tung contra os cristãos na China? Quando os livros de um povo são destruídos, destrói-se com eles sua história, sua língua, seu legado, suas tradições e o deixa vulnerável para que as novas gerações, desenraizadas, sejam educadas por novas ideologias. É assim que “as portas do Hades” vêm prevalecendo onde a cultura do Reino, por meio das Escrituras e dos bons livros, tem sido negligenciada e o secularismo tem prevalecido por meio da educação anticristã. Livros e música sempre precederam a elevação ou degradação das sociedades e da Igreja.

Reconhecendo a importância dos bons livros como ferramentas para o estudo das Escrituras, D. L. Moody disse certa vez que se todos os livros do mundo fossem queimados, ele gostaria de ficar com duas obras: a Bíblia e a série de notas sobre o Pentateuco, de Mackintosh.

A bênção dos bons livros

Spurgeon leu O peregrino, o clássico de John Bunyan, aos seis anos de idade e o releu cem vezes após isso (esse é um livro que os pais deveriam ler com seus filhos). Spurgeon tinha uma biblioteca com cerca de 12.000 livros. “Ele foi autor de 135 livros, editor de mais vinte e oito, e escreveu inúmeros panfletos, folhetos e artigos”.[3] Suas exortações em sua obra Lições aos meus alunos[4], preparando a nova geração de ministros, são apropriadas para nós neste tempo: “Se um homem somente pode adquirir uns poucos livros, o meu conselho a ele será: compre os melhores (…). A regra que em seguida firmo é: domine os seus livros. Leia-os completamente. Banhe-se neles até ficar saturado. Leia-os e releia-os, mastigue-os e digira-os. Faça que penetrem o íntimo do seu ser. Examine minuciosamente um bom livro várias vezes, e faça anotações e análises dele. O estudante verá que a sua constituição mental é mais influenciada por um livro dominado completamente do que por vinte livros que só leu por alto (…)”.

C. S. Lewis – de ateu convicto a um dos mais amados e influentes escritores cristãos – disse: “Ao ler bons livros, tornei-me mil homens sem deixar de ser eu mesmo”. Ele acreditava que um homem que se contenta em ser apenas ele mesmo [sem ler a contribuição de outros em livros] e, portanto, ser menos, vive numa prisão. Seu livro Como cultivar o hábito da leitura é uma boa dica para quem deseja mergulhar na bênção dos bons livros. Na obra A biblioteca de C. S. Lewis[5] você encontrará uma seleção de autores que influenciaram sua jornada espiritual.

Há livros que nos marcarão e serão usados pelo Espírito Santo para moldar nossa vida e nos equipar para cumprir nossa vocação. Nisso, não há uniformidade nem método. Deus, que ama a riqueza da diversidade, usará diferentes meios e contribuições para cada um de Seus filhos, embora haja os livros-chaves que, de alguma forma, são sempre usados por Ele como herança da Igreja, os clássicos cristãos, que são um legado que a geração atual precisa aprender a apreciar para manter a tocha do testemunho de Deus. Os homens e mulheres mais usados por Deus são leitores dos bons livros.

Enquanto há cristãos indisciplinados que não conseguem ler um livro sequer, distraídos com os brinquedos que Satanás oferece, há, em outro extremo, aqueles que, também inspirados pelo inimigo, têm gula por leitura desenfreada de livros; são como hienas e urubus, que comem toda carniça que encontram pela frente. E pessoas superficiais lerão qualquer coisa recomendada por pessoas superficiais, sem discernir se “há morte na panela” (2 Rs 4.40).

Para os mais novos na fé, recomendo que comecem a ler Experimentando as profundezas de Jesus Cristo através da oração[6], um clássico da espiritualidade, de Madame Guyon. “A grande contribuição de Madame Guyon para a literatura devocional é o estilo de escrita, que leva o leitor a buscar uma experiência viva de Jesus Cristo (…). Esse livro teve enorme influência: Watchman Nee fez com que fosse traduzido para o chinês e disponibilizava a todo novo convertido (…). François Fénelon, John Wesley e Hudson Taylor recomendam-no aos cristãos de sua época” (Richard Foster). Nessa obra, que é excelente para os novos convertidos, Guyon nos ensina como orar lendo as Escrituras.

Para os iniciantes no estudo das Escrituras, a obra Chaves para o estudo da Palavra, de A. T. Pierson, e Estudo panorâmico da Bíblia, de Henrietta Mears, são excelentes e de fácil compreensão. O maior ganhador de almas do século 20, Billy Graham, recomendou o livro de Mears a todos e escreveu seu prefácio. Ele disse: “Este livro, Estudo panorâmico da Bíblia, tornará a leitura e o estudo da Palavra de Deus interessante, motivador e útil. Recomendo-o de todo o coração”.

Em Traze os livros[7], Christian Chen apresenta uma ampla lista de excelentes livros para quem deseja se aprofundar no estudo das Escrituras. E em Clássicos devocionais[8], Richard Foster e James Bryan Smith recomendam uma seleção de 52 leituras dos principais autores devocionais sobre renovação espiritual. Você encontrará nessa obra um tesouro inestimável, de Agostinho de Hipona a G. K. Chesterton, e obterá dicas de como ler os bons livros que aproximarão você de Deus.

Richard Foster, um erudito piedoso, em sua obra clássica A celebração da disciplina, em poucas palavras faz uma análise do problema de nosso tempo: “A superficialidade é a maldição do nosso tempo. A doutrina da satisfação instantânea é o principal problema espiritual. A necessidade desesperada de hoje não é a de um número maior de pessoas inteligentes nem de pessoas talentosas, mas de pessoas com profundidade”.

Os bons livros são uma bênção para nos ajudar a conhecer as Escrituras e o legado da Igreja. No entanto, você deve se guardar da tentação de ler livros com a motivação errada, para apenas obter conhecimento, e não o conhecimento de Deus. O conhecimento se torna uma maldição quando passamos a ter mais cheiro de livros do que de ovelha; quando nos assemelhamos mais ao orgulhoso querubim caído do que ao humilde Cordeiro; quando abandonamos a consagração no Getsêmani pelo pináculo do templo.

Não perca seu tempo distraindo-se com livros rasos produzidos no átrio exterior do cristianismo superficial. Beba da vida de profundidade encontrada em livros aprovados pelo tempo, escritos por homens e mulheres que viveram no Castelo do Interior[9] da vida em secreto com Deus.


[1] Apocalipse, introdução e comentário. 1. ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1980.

[2] Traze os livros, edição do Kindle.

[3] LAWSON,Steven. O foco evangélico de Charles Spurgeon. 1. ed. São Paulo: Fiel, 2012.

[4] Primeira edição, PES, 1982, vol. 2.

[5] DAWSON, Anthony Palmer e BELL, James Stuart. 1. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2006.

[6] Segunda edição, Editora dos Clássicos, 2021.

[7] Edições Tesouro Aberto, 2015.

[8] Editora Vida, 2009.

[9] Título do clássico de Tereza de Ávila.

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