C.S. Lewis (1898-1963)
O regresso de Jesus à terra é considerado pelo apóstolo Paulo a “bendita esperança” dos cristãos. Numa época em que o pessimismo e o juízo apocalíptico caracterizam a perspectiva dos cientistas numa extensão quase tão grande como a dos teólogos, ousamos afirmar diretamente, baseados na autoridade da Palavra de Deus, que aguardamos novos céus e nova terra enquanto esperamos pelo Senhor da Glória.
A doutrina da segunda vinda não tem sentido se, pelo que nos diz respeito, não nos fizer compreender que em qualquer momento do ano se pode aplicar devidamente à nossa vida a pergunta de Donne: “Que seria, se fosse esta a última noite do mundo?”. Por vezes, incomoda-nos essa ideia, acompanhada de profundo terror, o qual é incutido em nós por aqueles que nem sempre se aproveitam devidamente dela.
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Não é justo, creio eu, pois estou longe de aceitar que se pense no temor religioso como algo desumano e degradante, a ponto de se optar por sua exclusão da vida espiritual. Sabemos que o amor, quando puro, não admite nenhuma espécie de temor. O mesmo já não sucede com a ignorância, o álcool, as paixões, a presunção e até a estupidez. Seria bom que todos alcançássemos aquele amor puro, em que o temor já não existe; mas não convinha que qualquer outro agente inferior pudesse bani-lo, enquanto não conseguíssemos chegar àquela perfeição.
Quanto a mim, é um caso diferente o argumento que não raro surge de que a ideia da segunda vinda de Cristo pode provocar um terror contínuo nas almas. Decerto não é fácil, pois o temor é uma emoção e, como tal, mesmo fisicamente não pode se manter por muito tempo. Pela mesma razão, não é fácil admitir uma ânsia contínua de esperança na segunda vinda.
O sentimento–crise é essencialmente transitório, já que os sentimentos vêm e vão, e só se pode fazer bom uso deles nesta altura. De forma alguma poderiam constituir o nosso alimento de todos os dias na vida espiritual. O que importa não é o terror (ou a esperança) que possamos ter em relação ao fim; o que é necessário é não esquecê-lo, tendo-o em devida conta.
Vejamos um exemplo. Uma pessoa normal em seus setenta anos não vai pensar (muito menos falar) na morte que se aproxima; mas não procede assim o avisado, o inteligente, embora os anos ainda não lhe pesem. Seria loucura se aventurar em ideais baseados em esquemas que supõem mais uns vinte anos de vida; loucura seria não satisfazer a sua vontade.
Ora, a morte está para cada indivíduo como a segunda vinda está para a humanidade inteira. Todos acreditamos, suponho, que o homem tem de se desprender da sua vida individual, lembrando-se de que essa vida é breve, precária e provisória, e não abrindo o coração a nada que possa findar com ela. O que os cristãos de hoje parecem esquecer com facilidade é que a vida de toda a humanidade neste mundo é também breve, precária e provisória.
Qualquer moralista nos dirá que o triunfo pessoal de um atleta ou de uma dançarina é certamente provisório, mas o principal é lembrar que um império ou uma civilização são também transitórios. Sob o aspecto meramente mundano, todos os empreendimentos e triunfos nada significarão quando chegar o fim.
De parabéns, os cientistas e os teólogos: a terra não será sempre habitada. E o homem, por mais que viva, não deixa de ser mortal. Há apenas uma diferença: enquanto os cientistas esperam uma desagregação lenta, vinda do interior, nós a temos como uma interrupção rápida vinda do exterior, a qualquer momento. Será então a “última noite deste mundo”.
(Artigo publicado originalmente na revista americana “His”).
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Clive Staples Lewis (1898-1963) foi um professor universitário, escritor, romancista, poeta, crítico literário, ensaísta e apologista cristão britânico. Considerado o mais relutante dos convertidos, ele creu no Senhor em 1931. Lewis vendeu mais de 200 milhões de cópias dos seus 38 livros escritos, os quais foram traduzidos para mais de 30 idiomas.