Pelas Escrituras e pela história da obra de Deus com Seu povo durante os séculos, vemos que Ele tem trabalhado pela recuperação das “verdades perdidas” ao longo dos tempos, visando restaurar Sua Igreja como Seu testemunho na terra. Muitas verdades, até então escondidas pela nuvem escura da apostasia, vêm sendo cumulativamente trazidas de volta à casa de Deus, por meio de mestres e profetas, assim como Hilquias achou o Livro da Lei enquanto a casa era edificada (cf. 2 Crônicas 34:14). Lutero foi apenas um dentre os muitos obreiros que Deus tem usado para restaurar a revelação de verdades-chaves contidas na Palavra de Deus.
Especialmente pelos últimos escritos dos primeiros apóstolos, vemos que a apostasia começou a entrar no seio da Igreja já no primeiro século, quando as heresias começaram a se proliferar. Naquele tempo, os cristãos, seduzidos pela antiga serpente (cf. 2 Coríntios 11:1-4), começaram a perder o relacionamento vivo com Cristo como Cabeça, deixando a centralidade da comunhão e do serviço da igreja, conforme Paulo detalha na Carta aos Colossenses.
A verdade apostólica nunca mudou, mas sua proclamação começou a ser fermentada com filosofia e judaísmo por meio daqueles que não foram levantados pelo Espírito Santo. Por outro lado, alguns líderes no âmbito da obra de Deus e das igrejas foram instigados pelo adversário com a gana do poder. Lutando por liderança e por adicionar coisas novas, eles trouxeram influências do mundo greco-judaico para dentro da Igreja.
No lugar da autoridade do Espírito, entrou o autoritarismo humano; no lugar da comunhão simples e viva, o cristianismo organizacional judaico; da verdade viva em amor, filosofia cristã; do organismo vivo, o Corpo de Cristo, a instituição organizada pelo poder político romano. Assim, os dias de ouro de glória da Igreja apostólica foram sutilmente eclipsados pela era das trevas, até que os céus abertos da revelação de Jesus Cristo se tornaram negros pela cegueira dos homens de mentes cauterizadas e corações empedernidos.
Os céus abertos manifestando a glória de Deus, quando anjos desciam e subiam ante a comunhão viva e gloriosa da Igreja com Cristo (cf. João 1:51), foram transformados em véu de bronze do Seu juízo, enquanto espíritos de engano ganhavam lugar nos “púlpitos” por meio dos falsos mestres, manipulados por eles – assim como ocorre hoje (1 Tm 4:1-2).
Atualmente, apesar de todo avanço que nosso misericordioso Deus tem operado na Igreja, precisamos discernir “em que horário estamos” (Is 21:11) de acordo com o relógio de Deus e como avançarmos em Seu mover daqui para frente. Assim como a apostasia adentrou gradativamente, a restauração da Igreja, como o testemunho de Deus, igualmente vem sendo levada a cabo na proporção em que Ele encontra resposta entre os Seus filhos, mediante a proclamação da Palavra.
Lampejos de luz da verdade sempre abriram frestas na cortina escura da apostasia. Essas manifestações têm sido os avivamentos ao redor do mundo e a difusão oral e escrita da palavra revelada, frutos de intercessão como resposta à revelação da Palavra. Todos os que estudarem a história da Igreja reconhecerão os avivamentos do Espírito ao redor do mundo. No entanto, será que discernimos e aceitamos que eles são os prelúdios que preparam o caminho para um grande e poderoso avivamento nesta geração do fim? Ou ignoramos que necessitamos disso para que, pela palavra viva, se levante a Igreja gloriosa que atrairá a segunda vinda de Cristo? (cf. Efésios 5:25-27).
Assim como na época de Lutero andar no mover de Deus era ser vivificado pela verdade acerca da justificação pela fé, romper com as heresias quanto a salvação e proclamar essa verdade, hoje há verdades relevantes que demonstram quantos de fato estão ouvindo o Espírito e movendo-se pelo Seu fluir. Algumas dessas verdades são: (1) a centralidade absoluta de Cristo como base de comunhão, unidade e serviço dos santos (não organização, líderes, experiências ou partes da verdade); (2) a autoridade máxima das Escrituras (não os líderes, credos ou livros); (3) a Igreja como Corpo de Cristo (não um sistema organizado), a inclusividade, e unidade no Espírito, de todos os santos como membros do mesmo e único Corpo de Cristo. Essas verdades, processadas como fluir da vida proveniente da Cabeça, nos libertarão de toda imitação de espiritualidade, de todo sistema que usurpa a glória do genuíno testemunho de Deus, de toda falsa unidade.
No entanto, o fluir dessa vida, que restaura a genuína comunhão do Corpo de Cristo e, ao mesmo tempo, derruba os muros das divisões, necessariamente irrompe por meio dos ministérios que não estão procurando edificar “seus reinos”, mas estão dando passos no Espírito a fim de unirem-se em equipes que labutarão única e exclusivamente pela manifestação do reino de Deus, por meio da edificação da igreja.
Muitas verdades vêm sendo vistas ao longo dos séculos e, por meio delas, Deus vem formando equipes de obreiros, assim como fez com Pedro, Tiago e João e também com Paulo, Barnabé e Tito. No entanto, o Espírito Santo vem colocando freio no mundo espiritual daqueles que relutam em aceitar o Seu mover no tempo do fim.
A genuína unção do Espírito nos convoca para a centralidade de Cristo, para a totalidade de Sua palavra e para a comunhão com todos os santos. Aqueles que seguem Seu fluir são ajuntados em equipes, formando ministérios específicos no Corpo. Porém, em Seu tempo, Deus promove aproximação entre essas equipes para se examinarem à luz do Espírito e da Palavra, a fim de não correrem em vão (cf. Gálatas 2). Assim, após legítimo reconhecimento da operação de Deus, dão-se às destras da comunhão e passam a cooperar juntas e, pela complementação, se purificam, evitando os extremos. Embora se preservem os limites espirituais que Deus demarcou a cada equipe, elas se apoiam e colaboram quando a esfera de ação é ampliada (cf. 2 Coríntios 10:13-18).
Com certeza, Deus jamais unirá Seus legítimos obreiros numa confederação com um centro controlador que gerenciará as equipes de obreiros; isso é um princípio do adversário, que investe para substituir o único centro genuinamente apontado por Deus e suficiente para organizar e suprir espiritualmente o Corpo: o próprio Cristo.
Deus trabalha para criar vínculos espirituais de comunhão e colaboração em Sua obra, que são as juntas de suprimento do Corpo (cf. Efésios 4:11-16). Ele une obreiros isolados em equipes e leva-as a se vincularem com outras, tendo Cristo como centralidade e provedor. À medida que mais obreiros correspondem a esse chamamento celestial, mais as janelas dos céus são abertas, as trevas são dissipadas, o ministério da Palavra cresce e a Igreja é edificada. Parece que essa realidade é uma das instâncias que desencadearão as nuvens do avivamento pelo qual tanto anelamos.
Em nossos dias, uma das ênfases do Espírito é a restauração dos relacionamentos e ligaduras do Corpo, por onde passa o suprimento de vida para todos os membros (cf. Efésios 4:16; Colossenses 2:19). No entanto, assim como é uma fraqueza detestável da carne a indisposição de buscar relacionamentos verdadeiros, a busca desenfreada e descuidada por relacionamentos também é uma fraqueza e ausência de maturidade.
Nesse cenário, devemos estar abertos para termos comunhão com todos. Assim como o Senhor gera relacionamentos, precisamos de equilíbrio para não nos lançar em relacionamentos não gerados por Ele. Além de procurarmos acompanhar o mover de Deus pelas circunstâncias, temos que seguir a unção do Santo, que dá testemunho interior em nosso espírito (cf. 1 João 2:20, 27). Não devemos expor facilmente nosso coração e ministério a alguém com quem não temos vínculo mais profundo, gerada pelo próprio Deus.
Jesus escolheu Seus amigos porque o Pai os escolheu primeiro e os deu a Ele. Mesmo que houvesse um traidor, Ele sabia desde o princípio e aceitou as determinações do Pai. Vemos lamentáveis problemas de irmãos devastados por se envolverem ou terem excessiva liberdade em relacionamentos ministeriais e “novas revelações”, desprovidos de maturidade, ou por avançarem descuidadamente adiante do mover do Espírito. Necessitamos do ministério de João, que costura as redes rasgadas da comunhão dos santos, levando-os de volta ao princípio da comunhão do Pai e do Filho, na verdade, que gera luz, vida e amor.
Nesse processo, é necessário que aqueles em quem Deus pôs o peso da arca sobre seus ombros sigam na frente primeiro, para que as águas do Jordão se abram, até que o povo possa entrar na esfera de Canaã, os dias de ouro da Igreja. Isso é gerado com dores de parto, com batalha espiritual. Necessitamos usar as armas da nossa milícia, que não são carnais. É necessário desmoronarmos as fortalezas de Satanás no mundo espiritual, antes que os resultados sejam vistos entre os santos. Cada conquista na esfera da Igreja demonstra que Satanás foi vencido nas regiões celestiais. Por isso, devemos estar prontos a sofrer por amor a Cristo, como Ele sofreu oposição, para cumprirmos nossa missão; isso é inevitável para o verdadeiro seguidor de Cristo.
É inegável que Deus tem avançado em Sua obra de restauração, pela recuperação das verdades de Sua Palavra, assim como é inegável que a insatisfação espiritual que permeia o povo de Deus é indício das dores de parto que gera o novo dia de glória da Igreja. No entanto, ser ingênuo quanto ao que Deus está fazendo, uma vez sendo iluminado, insistindo em seguir conforme a preferência pessoal, é deslizar-se pelo abismo da reprovação divina, aferrando-se ao engano do orgulho, tais como os da igreja em Laodiceia (Ap 3). Eles ficaram para trás.
“Agora, arrependam-se e voltem-se para Deus, para que seus pecados sejam apagados. Então, da presença do Senhor virão tempos de renovação, e ele enviará novamente Jesus, o Cristo que lhes foi designado. Pois ele deve permanecer no céu até o tempo da restauração final de todas as coisas, conforme Deus prometeu há muito tempo por meio de seus santos profetas” (At 3:19-21 — NVT).
“Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.”
Gerson Lima
Setembro de 2005
Editor da Editora dos Clássicos.